segunda-feira, 30 de março de 2009

Segue abaixo um texto sobre a opinião de Bruno Rabin sobre o crônista Armando Nogueira, famoso por poetizar momentos do futebol brasileiro e mundial. O texto é relativamente antigo, mas debate algo que pode ser visto ainda hoje no debate sobre o esporte.

FONTE: http://brunorabin.apostos.com/archives/2006/05/armando_nogueir.html

Sendo informada a fonte, o texto:

"Armando Nogueira: o gol contra


Não sei se vocês sabem, mas as coisas funcionam assim: temas aristocráticos pedem literatura que os desmonte; assuntos plebeus demandam, ao contrário, alguma espécie de mitificação. Quando não há contraste, trata-se de má literatura. E quando a má literatura é péssima - não por falta de técnica, que isso é besteira, mas talvez pelo excesso -, cria-se um tal constrangimento, que o encontro entre assunto e palavra fica para sempre comprometido, como o namoro após um pum ruidoso no primeiro encontro ou, pior, após um beijo meloso demais.
Parece que aconteceu assim com o futebol. Aristocrático por natureza, o esporte merecia umas bolachas, para ver o que é bom. Para cada golaço, uma história interrompida; para cada balão, uma frase rasteira. Quanto mais se fizesse no futebol, tanto menos se faria na literatura.
Mas entre o futebol e a arte, surgiu Armando Nogueira. E com Armando Nogueira, perderam ambos: o jogo e o texto. Senão, vejamos:
Sobre a bola, disse o "mestre das tintas lançadas com sofreguidão ao papel impávido":

"Num racha de menino ninguém é mais sapeca: ela corre para cá, corre para lá, quiçá no meio-fio, pára de estalo no canteiro, lambe a canela de um, deixa-se espremer entre mil canelas, depois escapa, rolando, doida, pela calçada. Parece um bichinho."

Após a final de 70, Armando Nogueira - o "artesão do lance, craque da frase" - nos deu este presente:

"Os campeões mundiais em volta olímpica, a beijar a tacinha, filha adotiva de todos nós, brasileiros? Ternamente, o capitão Carlos Alberto cola o corpinho dela no seu rosto fatigado: conquistou-a para sempre, conquistou-a por ti, adorável peladeiro do Aterro do Flamengo. A tacinha, agora, é tua, amiguinho, que mataste tantas aulas de junho para baixar, em espírito, no Jalisco de Guadalajara. Sorve nela, amiguinho, a glória de Pelé, que tem a fragrância da nossa infância."

Ao descrever Heleno de Freitas, o "artilheiro da linguagem" alcançou o sublime:

"Só tinha afagos pra conquistar a bola, em cuja convivência realizava sua face de anjo. (...) Dormia abraçado com a bola delirante do jogo de ontem, de hoje, de amanhã, de sempre. Quando acordava, bola murcha, Heleno tornava ao delírio. Heleno de Freitas, o craque das mais belas expressões corporais que conheci nos estádios, morreu, sem gestos, de paralisia progressiva, e descansa, hoje, no Cemitério de São João Nepomuceno, onde nasceu um dia, para jogar a própria vida num match sem intervalo entre a glória e a desgraça."

Por muito tempo, ninguém com talento teve coragem de escrever sobre futebol, menos por admiração a Armando Nogueira do que por vergonha - é bom deixar claro, porque há todo tipo de leitor por aqui e, neste caso, a ambigüidade precisa ser evitada, sob o risco de se perderem alguns amigos. Acredito até que, também por muito tempo, o próprio futebol se envergonhou na mesma medida.
Aos poucos, tudo parece voltar ao normal. E o futebol, novamente aristocrata, bem que merece umas pancadas para continuar altivo. Sorte a nossa - apreciadores de futebol e literatura - que ninguém mais ouve o que o "zagueiro do jogo entre as palavras" tem a dizer. Com a televisão ligada, mas no volume mudo, é possível imaginar o significado daqueles gestos, mas o silêncio se impõe. E o silêncio, nem Armando Nogueira consegue estragar."

Meus dois centavos sobre o texto de Bruno Rabin.
Bem verdade que há um exagero no que diz respeito a crônica de Nogueira quando ele coloca uma partida de futebol ou qualquer outro evento esportivo como uma epopéia homérica. Que há um floreio e um rebuscamento exagerado nas palavras. Mas será que já se analisou que esse exagero, esse trabalho de transformar o cotidiano em épico, é uma intenção real da narrativa de Armando? Será que já se constatou que a intenção é exatamente essa ao comparar por exemplo a história de vida de um garoto de origem pobre se transformando no capitão do time considerado a melhor seleção da história até hoje, quando já se passaram quase quarenta anos? Há de se ter muito cuidado quando se analisa de forma tão ácida e ríspida um tipo de texto que, simplesmente, não é característico desse tempo, pois não há na sociedade de hoje a valorização da epopéia.

É perigoso falar de coisas que não se compreende. É só isso que eu tenho a dizer.